quinta-feira, 5 de abril de 2012

No futuro, seremos todos vegetarianos



Se há cinco anos atrás você me perguntasse o que eu achava do vegetarianismo, eu diria pra você: "uma bobagem sem tamanho!". Bem, de uns tempos pra cá tenho percebido que, talvez, o bobo tenha sido eu. Não tenho receio de pensar que todas as minhas convicções mais profundas, hoje, podem, no futuro, ser motivo para eu rir de mim mesmo; tendo a ser o que o filósofo Richard Rorty chama de ironista. Isso não significa que virei vegetariano: confesso que não consigo passar o fim de semana sem uma picanha ao ponto. Mas o que tenho observado hoje é que qualquer discurso relativamente sensato no campo científico e filosófico aponta para o vegetarianismo. 

No discurso científico, por exemplo, dos nutricionistas, esses nos apontam para os benefícios das frutas e vegetais e para os malefícios do excesso de carne que costumamos consumir e, além disso, que viver sem carne, contanto que haja uma reposição nutricional, é possível e, em alguns casos, desejável. No lado da Geografia e da Engenharia Agrônoma, por exemplo, o que se tem descoberto é que a produção de carne bovina exige um consumo de água que já é algo que está muito acima dos nossos padrões atuais desejáveis: produzir um quilo de grãos é mais "barato" tanto economicamente, como em termos ambientais, do que produzir um quilo de carne. E o espaço de produção para grãos já não é boa justificativa para se produzir carne visto que no Japão, com tão pouco espaço para se plantar, a produção de arroz é eficiente. 

Já no discurso filosófico, ético e político, tendemos ao vegetarianismo também. Se justiça é o que Rorty chama de "lealdade ampliada", já ampliamos nossa lealdade para com os animais: criamos os chamados "Direitos dos animais". Fizemos isso ao perceber que poderíamos ser cruéis com animais, que eles sentem dor como a gente e, portanto, eles necessitavam de direitos: um ser humano tem a consciência para se defender de uma agressão de outro ser humano, já um animal, precisa de outros seres humanos para defende-lo de seres humanos. Rorty aponta, corretamente a meu ver, que ampliamos essa lealdade até para seres vivos que não sentem dor, como árvores e o meio ambiente.

Isso significa que seremos todos vegetarianos no futuro? Bem, pode ser que não. Pode ser que venhamos a descobrir que o organismo humano necessita de carne, ou não venhamos a superar nosso desejo por carne, e tenhamos que encontrar formas menos cruéis e custosas de produzir carne e, assim, ainda podermos comer picanha. Pode ser que aliemos isso à redução do consumo de carne como estamos fazendo com o açúcar e com o sal. Podemos imaginar várias possibilidades. O fato, para mim, é que os nossos discursos  mais sensatos hoje, cada vez mais, tendem ao vegetarianismo.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O menino ateu na escola pública e a minha proposta imaginativa para os cristãos


Começou na semana passada e saiu nos jornais, hoje, a confusão de um menino ateu que, por não querer rezar junto com a professora numa escola estadual, levou sermão. O aluno lançou um vídeo onde argumenta que quer ter respeitada a constituição quando essa lhe assegura o direito de liberdade religiosa e que não haja nenhum tipo de pregação religiosa na escola pública, como manda a lei. A notícia pode ser acessada aqui


Alguns cristãos mostraram-se revoltados com o caso como quando a Liga Nacional de Lésbicas pediu que retirassem os crucifixos dos tribunais do RS. Disseram que isso era um desrespeito à religião da maioria. Os ateus preferem ironizar os cristãos. Eu não. Já que tenho muitos amigos cristãos que passam longe da imagem retrógrada descrita pelos ateus e, inclusive, sou batizado, prefiro acreditar que isso é somente uma falta de compreensão do que seja o Estado Laico, de como ele foi criado e atendendo a que necessidades. A lei dos homens teve que passar por essa transformação quando começamos a perceber que o que chamávamos de "Lei de Deus" passou a soar mais como injustiça do que como justiça. (Leia mais sobre isso aqui).



Todavia, mesmo colocando a noção de Estado Laico na mesa, alguns cristãos ainda tem dificuldade de imaginar porque rezar o "Pai nosso" na escola pública é desrespeito com outras religiões, ou porque ter o crucifixo num tribunal acaba sendo algo ruim para a política democrática e para a Justiça. Eles acreditam que o Estado laico é como "eliminar a religião no país", mas não é isso. O Estado Laico é uma medida adotada na maioria dos países no mundo para permitir a liberdade religiosa e a pluralidade. É nessas horas que eu peço um esforço imaginativo dos cristãos, para que eles se imaginem um pouco na pele do outro. Proponho, para isso, um exercício.


Que eles se imaginem, por exemplo, em outro país onde lhes é assegurado pela constituição a liberdade religiosa e o Estado Laico, mas que a maioria, nesse país, seja muçulmano. Aí, que esses cristãos, nesse país, se imaginem numa escola pública que deveria ser laica, mas que 99% dos alunos seja muçulmano e os professores os obriguem a orar o "Al Fátiha" e, caso eles não façam a oração por não ser algo da religião deles, ou mesmo puxem a constituição do país para dizer que o "Al Fáthia" não pode ser orado na escola pública, sejam punidos por isso. O cristão, nessa escola, inclusive, não poderá levar qualquer tipo de terço consigo, afinal, a professora islã consideraria isso um desrespeito à religião da maioria muçulmana e, dado que Maomé é o único profeta, um terço, com Jesus na cruz, não pode. 

Ao ser punido, o cristão deve se imaginar indo para um tribunal reivindicar seu direito e exigir o cumprimento da constituição, mas, estando lá, ele descobre que não só a escola é muçulmana como também o é o tribunal: ele está pautado por valores do Islão e tem o Corão como símbolo máximo. Lá, ele sendo cristão, mais uma vez sentirá que a balança da justiça está pesando para o outro lado devido à sua religião. 

Eu tenho quase certeza que qualquer cristão nesse país que criei gostaria que seu direito constitucional de liberdade religiosa e de Estado Laico fosse levado a sério para que nem ele, e nem a maioria islã, tivesse privilégios perante o Estado ou à Justiça. O esforço do Estado Laico não é o de desrespeitar a maioria cristã, mas sim evitar o desrespeitos às minorias de outras religiões, ou não religiosas; é ter um espaço público "religiosamente neutro" para que pessoas de qualquer religião, ou sem religião, possam se sentir mais incluídas do que excluídas. O que se pede do Estado Laico é o mesmo que se pede do juiz de futebol na hora que vai apitar um jogo: que ele além de deixar pra trás suas preferências por um time, vá vestido de juiz, e não de torcedor.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ato de amor: egoísta ou altruísta?

"Se uma mãe sacrifica a vida para que o filho possa viver, esse é um ato altruísta ou egoísta?" 

Bem, alguns respondem que é um ato altruísta, pois a mãe sacrificou algo que seria do interesse pessoal dela para que o filho pudesse viver. Outros respondem: é egoísta de qualquer jeito, pois mesmo que a mãe tenha sacrificado a própria vida, caso ela não tivesse sacrificado, como ela viveria com essa decisão e, além disso, a vida do filho não deixa de ser um interesse dela mesma. Mesmo assim, a palavra egoísta não da abertura para algo que sirva ao interesse do outro e, por isso, o defensor do altruísmo pode revidar que se a mãe tem um interesse que envolva mais do que ela própria, já não é egoísta e assim por diante... 

A pergunta se "atos de amor são atos altruístas ou egoístas" é uma pergunta ruim. Ela nos faz girar entre respostas que dizem que podemos fazer as coisas somente pelos outros, sem qualquer interesse pessoal, e respostas que decretam que sempre fazemos as coisas somente por nós mesmos. Seria melhor se tomássemos os atos de amor como atos que são feitos para a relação entre o eu e outra pessoa, para o "nós". Como defende meu amigo filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., o amor é uma relação que cria um "nós". 

Dessa forma, borramos a diferença entre "egoísta" e "altruísta" e podemos dizer que todo ato de amor é um ato egoísta e altruísta ao mesmo tempo, ou, mais do que isso, um ato para o "nós", algo que é mais do que "só pra mim" ou "só pra você". Ampliamos o leque de possibilidades para o amor.

Isso também vale para o amor romântico. Na cama, se amo minha namorada, não quero só ter o prazer que ela pode me proporcionar, mas também dar prazer a ela. Faço isso por ela? Sim, pois é prazer pra ela. Por mim? Também! Pois dar prazer a ela é algo que, estando eu e ela numa relação amorosa, não deixa de me dar prazer também e, além disso, preserva algo de que eu mesmo participo, nossa própria relação. Ou seja, faço isso por ela e por mim: por "nós". Desse modo, a melhor pergunta não é se fiz algo "só por ela" ou "só por mim", mas se fiz por "nós".